Hoje tenho por interesse trazer a reflexão um dos assuntos de fundamental importância para nós, seres humanos, que é o processo de conversão errado que estamos ensinando e praticando em nossas igrejas. Esse processo está basicamente resumido em apelos e convites do tipo "aceitar a Jesus no seu coração" sem explicar em como é a conversão de um ser humano. Por fim gostaria de discorrer um pouco sobre a doutrina da soteriologia, para que você leitor entenda que o processo de redenção do ser humano é mais complexo do que simplesmente "ir à frente e repetir uma oração com sinceridade".
Normalmente vemos hoje, principalmente nas igrejas de origem pentecostal e neopentecostal, os membros, pastores, líderes de uma igreja considerarem a conversão de uma pessoa baseada em sua decisão de um dia ter "aceitado a Jesus como suficiente salvador" em um culto. Ao basearmos somente nessa decisão como fator de conversão, traremos confusão na mente de várias pessoas na igreja, pois há um sem número de pessoas que um dia "aceitaram a Cristo", mas sua vida atual não é condiz como um cristão convertido. Logo queremos botar o problema nos membros e sua falta de interesse, porém o problema se origina nos pregadores com sua falta de exposição da escritura, apelos e convites aos montes, e por fim uma declaração papal de que logo após o termino da oração repetida, a pessoa é um "nascido de novo".
Gostaria de expor algumas razões do porque sou contra esse tipo de abordagem:
Jesus não faz esse tipo de abordagem nos evangelhos: Perceba que em suas primeiras declarações, Jesus pede arrependimento e crença no evangelho (Mt 3:2; Mc 1:15). Em nenhum momento ele pede para alguém aceitá-lo ou receber no coração - como se fosse o coração fosse uma câmara secreta mística para ser preenchida por ele.
Os apóstolos não fazem esse tipo de abordagem: Quando lemos a pregação de Pedro no livro de Atos cap. 3 e 4, logo percebemos que não há espaço algum para essas abordagens atuais, mas apenas a declaração "arrependei-vos, pois, e convertei-vos" (vs.19), e no capítulo seguinte temos a resposta a pregação de Pedro declarada "Muitos, porém, dos que ouviram a palavra, creram"
Aceitar a Jesus não é o mesmo que arrepender-se: Nos tópicos anteriores vimos que, tanto Jesus quanto os apóstolos abordavam as pessoas para se arrependerem. Pode ser que nós hoje em dia tenhamos o conceito de arrependimento como uma atitude de repetir a oração para aceitar a Cristo, mas esse conceito não é bíblico. Myatt e Ferreira na sua teologia sistemática consideram o arrependimento da origem grega "Metanoia" e explicam da seguinte forma:
Metanoia é usada no NT para dar uma meia volta, não só nos pensamentos, mas em todos os aspectos da vida. O arrependimento é uma mudança total nas inclinações e na direção da vida.
Continuando as explicações de Myatt e Ferreira, o arrependimento inclui:
1) a percepção da santidade de Deus e quão horrível o pecado é, 2) tristeza e um sentido de ficar revoltado consigo mesmo, 3) o desejo de fugir do pecado em si, e não apenas da penalidade do pecado, 4) a virada para Deus com uma atitude de dependência total para ser liberto do pecado, 5) remorso pelos pecados passados e uma determinação de viver para Deus, 6) o resultado é uma vida mudada. O arrependimento é um dom de Deus (At 5:31, 11:18, 2Tm 2:24-25).
Em toda a história da igreja, não vemos em nenhum momento apelos desse tipo. Se consultarmos os pais da igreja, os teólogos medievais devotos, os reformadores, os puritanos e os avivalistas, todos eles não fazem apelos desse tipo, e vemos pessoas convertidas e transformadas. Segue declaração de Jonathan Edwards (1703-1758) em seu Tratado sobre as Afeições Religiosas:
As Escrituras descrevem a conversão em termos que implicam ou significam uma mudança de natureza: nascer de novo, tornar-se novas criaturas, levantar-se dos mortos, ser renovado em espírito e na mente, morrer para o pecado e viver para a retidão, descartando o homem velho e vestindo o novo, partilhar da natureza divina, e assim por diante.
Lutero em 1516-17 descreve sua conversão da seguinte forma:
"Finalmente, pela misericórdia de Deus, meditando de dia e de noite, consenti ao contexto das palavras, a saber: 'Porque no Evangelho é revelada a Justiça de Deus, uma justiça que do princípio ao fim é pela fé, como está escrito: O justo viverá pela fé'. Então comecei a entender [que] a justiça de Deus é aquela pela qual o justo vive por um dom de Deus, em outras palavras, pela fé. E este é o significado: no evangelho, é revelada a justiça de Deus, isto é, a justiça passiva com a qual [o] Deus misericordioso justifica-nos pela fé, como está escrito: 'O justo viverá pela fé'. Foi quando senti como se tivesse nascido de novo e entrado no paraíso por portões abertos. Aqui, me foi mostrada uma face completamente diferente da Esritura. Com base nisso, percorri outra vez, de memória, os textos das escrituras (...) E, exaltei minha palavra amabilíssima com um amor tão grande quanto o ódio com o qual antes havia odiado 'a justiça de Deus'. Por tanto, aquela passagem em Paulo tornou-se para mim verdadeiramente o portão para o paraíso (Prefácio aos Escritos em Latim, LW, 34:336-37)."
Agostinho de Hipona (354-430) tem uma declaração muito linda acerca da conversão:
"Quem confessa os próprios pecados já está agindo em harmonia com Deus. Deus acusa teus pecados; se tu também os acusas, tu te associas a Deus. O homem e o pecador são, por assim dizer, duas realidades: quando ouves falar do homem, foi Deus quem o fez; quando ouves falar do pecador, é o próprio homem quem o fez. Destrói o que fizeste para que Deus salve o que Ele fez [...] Quando começas a detestar o que fizeste, é então que tuas boas obras começam, porque acusas tuas más obras. A confissão das más obras é o começo das boas obras. Contribui para a verdade e consegues chegar à luz." Fonte: Agostinho de A a Z
Eu poderia utilizar dezenas de citações de pessoas como Wycliffe, Hus, Savonarola, Gottschalk, Calvino, Os puritanos, Whitefield, Wesley, mas desafio que você procure os textos desses autores e tente encontrar os conceitos e as abordagens destes para a conversão das pessoas.
Conversão não é uma decisão: a conversão consiste em uma ação de Deus para remissão e chamado do homem, vemos isso claramente em At 9, onde Saulo tem uma aparição de Cristo. Perceba que nessa ocasião Saulo não decide nada, simplesmente obedece a missão que Cristo tem para ele, não há espaço algum para declarar que Saulo "aceitou a Cristo".
Ao fazermos uma pessoa "aceitar a Cristo", tornamos ela duplamente como "filha do diabo": Em Mt 23:15 temos Jesus censurando os fariseus por "converterem" pessoas que não são do "povo escolhido" através de obras humanas, fazendo com que estes "prosélitos" não se arrependam de verdade, mas se tornem legalistas. Jesus condena essa atitude dizendo que esses "convertidos" nada mais são do que "filhos do inferno duas vezes mais do que vós". Perceba que, se nós não pregamos corretamente sobre o pecado, e não há uma conversão genuína, mas apenas essa decisão de aceitar a Cristo baseada no "coração que é enganoso" (Jr. 17:9), recai sobre nós a responsabilidade da tragédia que fizemos em tornar uma pessoa pior do que antes, e e provavelmente ela nunca mais vai querer saber sobre esse assunto, pois para ela é como uma "vacina". Ela declara que "Eu já fiz isso" (aceitei a Cristo), não preciso mais saber sobre. No dia do juízo prestaremos contas sobre.
Aqueles que utilizam desse procedimento, utilizam as escrituras com uma interpretação errada: Os pregadores que fazem esse tipo de apelo nos cultos, normalmente utilizam versículos da bíblia nos quais eu relacionarei abaixo e refutarei todos:
Lucas 12:8 - Nesse caso é um contexto de perseguição, onde confessar a Cristo traz implicação de morte, não se aplica no tema acima.
Mateus 10:32 - Esse versículo se trata de uma doutrina de que o "relacionamento de uma pessoa com Deus depende exclusiva e eternamente do relacionamento e da atitude da pessoa com Jesus" (bíblia de Genebra)
Romanos 10:9 - Esse caso se trata de um contexto entre lei versus fé, onde o apóstolo Paulo traz à cristãos, em detrimento do cumprimento da lei, a genuína experiencia de salvação. Nesse caso merece atenção a palavra Senhor que é traduzida do grego Kyrios, palavra aplicada nos imperadores Romanos e deuses gregos. Logo nos encontramos em uma situação de confessar como um testemunho da crença que parte do coração. E também os destinatários estão em contexto de perseguição, onde todo cidadão romano tinha que declarar César como Kyrios, porém os cristãos tinham somente um Kyrios que era Jesus, logo eles eram mortos por confessarem Cristo como Senhor. Esse versículo não se aplica nos dias de hoje como fundamento para "aceitar a Jesus" em uma reunião.
Apocalipse 3:20 - Esse é muito utilizado e fácilmente refutado, pois os destinatários da carta eram os da igreja de Laodicéia e não pessoas não cristãs, a bíblia de Genebra explica que "Abrir a porta é o ato final de obediência prestado por servos fiéis que aguardam pelo retorno de seu mestre, metaforicamente descrevendo a constância na fé e o triunfo no final". Veja que esse verso não pode ser usado como justificativa para esse tipo de evangelismo do "aceitar a Cristo".
(Autor Paul Washer)
{Sola Scriptura}
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